Quando o corpo permite: o que acontece quando há entrega na massagem
- Denis Getman
- 17 de ago.
- 4 min de leitura

Ao longo dos anos de prática, tenho percebido que a qualidade e os efeitos de uma sessão de massagem não dependem apenas das técnicas aplicadas, mas - sobretudo - do estado em que a pessoa chega e da sua abertura ao toque, ao momento, à relação terapêutica ou ao vínculo emocional estabelecido.
Essa abertura permite, por um lado, ampliar os horizontes de intervenção, com maior variabilidade e um leque mais vasto de técnicas aplicadas. Por outro lado, empodera o terapeuta e desembaraça o processo da intervenção, tornando-o mais criativo e espontâneo.
"Não há certo nem errado — apenas momentos e ritmos diferentes para cada pessoa."
Esta entrega não é algo que se impõe
Não tem a ver com “confiar cegamente” ou “deixar fazer”. Trata-se de um processo sutil e pessoal, onde o corpo e a mente permitem, pouco a pouco, que a experiência aconteça com menos resistência, mais presença e maior liberdade (autoconhecimento?).
Estar disponível para a massagem não é um dado adquirido
Receber uma massagem é mais do que estar deitado numa marquesa. É um momento de exposição, de escuta, de contacto - consigo próprio e com o outro. Por isso, é natural que nem todas as pessoas estejam logo disponíveis ou completamente entregues. Às vezes, há medos, desconfiança, ansiedade, vergonha, traços de experiências passadas.
Tudo isso é legítimo - e faz parte do processo. Dito isto, posso dividir as situações (estados de disponibilidade) em diferentes cenários:
Elevada disponibilidade - o cliente mostra sinais de confiança, entrega, clareza e abertura emocional. A comunicação é fluida, o corpo é recetivo e a atitude é positiva.
Disponibilidade moderada - surgem sinais mistos: alguma abertura e cooperação, mas também pequenas barreiras emocionais, mentais ou corporais.
Baixa disponibilidade - o cliente apresenta tensão, hesitação; a comunicação é pouco fluída e escassa, a linguagem corporal é fechada. Existem sinais evidentes de resistência, desconfiança ou desconforto.
Bloqueio - no extremo, observam-se sinais fortes de bloqueio emocional, atitude defensiva, resistência ao toque ou ausência/desorganização da comunicação. Neste cenário, o cliente provavelmente ainda não está pronto para a experiência.
Quando há abertura, a sessão transforma-se
Quando, por algum motivo - seja por afinidade, confiança, timing ou apenas intuição - a pessoa permite essa entrega, a sessão muda de natureza. Deixa de ser uma sequência algorítmica de técnicas. Torna-se uma dança sensível e dinâmica, uma investigação em tempo real sobre o que o corpo precisa e está preparado para receber.
O que muda na prática?
Num cenário ideal de disponibilidade total, posso:
Variar os ritmos e formas de toque, criando estímulos diferentes ao sistema nervoso e muscular
Utilizar não só as mãos, mas também antebraços, pernas e tronco para apoiar, conter e adaptar a posição
Convidar a pessoa a mudar de posição na marquesa, promovendo acesso mais completo ao corpo
Aplicar mobilizações e alongamentos dinâmicos, ajustados às respostas do corpo
Ler os sinais de restrição, facilidade, dor, tensão ou entrega
Ajustar o meu posicionamento, a força e os ângulos da aplicação segundo as reações da pessoa, num movimento contínuo de adaptação
Este modelo não segue um guião. É dinâmico, mutável e vivo - e só acontece quando há espaço para isso.
“Quando o corpo decide, o momento acontece”
Cada sessão é única
Não espero que todas as pessoas cheguem prontas para este tipo de entrega. Aliás, muitas vezes, a massagem é o próprio caminho para desbloquear e aceder a essa disponibilidade.
Outras vezes, a sessão precisa ser contida, simples, respeitadora dos limites do momento. E isso também é terapêutico.
“Cada pessoa tem o seu tempo”
Modelo ideal de intervenção (para mim)
Quando não existem obstáculos à entrega e a pessoa demonstra total aceitação e abertura ao processo, a massagem pode desenvolver-se com maior fluidez, liberdade e complexidade.
Neste contexto, a intervenção pode incluir:
Variedade de ritmos e frequências
As técnicas aplicadas seguem um ritmo variável, adaptando-se ao estado momentâneo do corpo e à resposta muscular e emocional da pessoa.
Toque firme, amplo e decidido
Utilizam-se diferentes formas de contacto — mãos, antebraços, pernas e tronco — para garantir um toque firme e amplo, criando sensação de envolvimento, contenção e segurança.
Variabilidade de posicionamentos do corpo
Durante a sessão, o cliente pode ser convidado a mudar de posição (decúbito ventral, dorsal, lateral, sentado). Esta variação postural permite melhor acesso e trabalho em diferentes ângulos e zonas do corpo.
Mobilizações articulares e alongamento dinâmico
Integram-se técnicas de mobilização articular e alongamento de forma fluida, intercalada e responsiva, em sintonia com os sinais do corpo — por vezes introduzidas de forma espontânea quando o momento se revela apropriado (maior facilidade e menor obstrução).
Constante leitura do corpo e ajuste em tempo real
O toque e os movimentos adaptam-se constantemente com base:
na facilidade ou restrição do movimento
nas amplitudes articulares percebidas
nas alterações do tónus muscular
na resposta sensorial (como o aumento ou diminuição da dor)
nos sinais não verbais
Exploração de vetores e ângulos
O posicionamento do corpo do terapeuta, os vetores de aplicação de força e os ângulos de abordagem variam e fluem de forma orgânica, ajustando-se às reações e necessidades observadas no corpo da pessoa.
Esta abordagem não segue uma estrutura rígida. É dinâmica, mutável e intuitiva, baseada na escuta profunda - não só do que a pessoa comunica verbalmente, mas também da linguagem silenciosa do corpo.
É uma prática que só acontece verdadeiramente quando há espaço, aceitação e confiança mútua.
É nesta prática que me encontro verdadeiramente satisfeito, com poder de criar o momento através de uma interação que reforça a minha confiança no poder do toque!
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